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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Meu Livro Reportagem "Profissões de Risco - A insalubridade no local de trabalho"

Apresento o capítulo II do livro-reportagem "Profissões de Risco - A insalubridade no local de trabalho" de autoria de Aline Rojas, Ana Paula Timóteo, Kelly Rodrigues, Pedro Feitosa e Thiago Ermano. 



Capítulo II 

É na escuridão que se busca a luz

Eduardo Melo, de 32 anos tem de lidar com a eletricidade rotineiramente. Ele supera todas as dificuldades: a altura, o vento, o choque e o medo. É um sacrifício prazeroso que não o deixa parar nunca.


Aline Rojas

Era dia 10 de novembro. Um dia aparentemente comum, até que as luzes se apagaram e aos poucos o breu tomou conta de boa parte do Brasil. Pessoas suspiravam de alívio e seguiam para casa, outras ainda no trabalho exalavam suor de cansaço. Jovens, crianças, idosos, todos faziam suas tarefas como de costume, o que não sabiam é que a noite se transformaria em um pandemônio total. 
Um blecaute tomou conta dos estados como um “efeito dominó, um por um. Lojas, estabelecimentos e casas mesclaram-se em meio ao negro da noite e a multidão em uma só voz gritou: 
- Uhhhhhhh!, como quando acaba a luz temporariamente de suas casas. Mas, dessa vez a situação se revertia a horas de expectativa e não somente um bairro passava por angustiante recessão, segundo o Ministério de Minas e Energia, 18 estados brasileiros foram atingidos por aproximadamente cinco horas. Tempo demais para aqueles que ficaram presos em elevadores. Foram 169 ocorrências do tipo nos estados mais atingidos pelo apagão, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul, segundo levantamento do Corpo de Bombeiros.
.Um homem de uns 50 anos, alto e com a aparecia serena chegou a um ponto de ônibus lotado de revoltados e outros estressados. Todos, muitos trabalhadores que acabavam de sair de seu expediente se espremiam uns aos outros em busca da única luz ainda acesa no posto de gasolina e na espera da condução. Dessa vez eles tinham um motivo a mais para chegar logo no “lar, doce lar”. Ele tirou sua mochila das costas, abriu o zíper e pegou um radinho de pilha. Assobiava como se estivesse feliz mediante àquele caos todo. A estação pegava mal, então, ele mudou de sintonia na qual um locutor narrava o que acontecera nas cidades. Aumentou o volume e aos poucos o barulho das conversas paralelas e palavrões de raiva se dizimaram e só se ouvia o que os informes do rádio dizia. 
-...Há poucos minutos um apagão afetou diversos estados brasileiros. Semáforos estão apagados e causam transtorno no trânsito. [...] Ainda não se sabe a causa da queda de energia, mas segundo autoridades pode ter ocorrido uma pane no sistema elétrico nacional. Medidas já foram tomadas para reverter a situação. [...].
 Todos prestavam atenção e balançavam a cabeça em sinal negativo, indignados alguns diziam:
- Puta merda, breu total!
Outros:
- Agora que o bicho pega. Bom para os ladrões e estupradores de plantão.
Um senhor furioso surgiu meio à confusão e desabafou: 
- Nós pagamos milhares de impostos todos os anos para isso acontecer?! Dai-me santa paciência!
E diante de tantas teorias mirabolantes e indagações pelo que teria designado o breu, uma voz impertinente de um velhinho de barba e cabelo grandes disse em tom ameaçador: 
- Esse é o sinal do fim dos tempos!
Fim do mundo para os fanáticos religiosos, consequência de erro humano para outros, problema em alguma hidrelétrica, culpa do governo, resultado de um ataque de facções criminosas ou hackers, enfim, foram diversas especulações, mas o fato é que milhares de velas e lanternas tiveram mais do que nunca mostrarem-se eficientes nesse momento. 
Os acluofóbicos tiveram seu dia de azar, pois por mais longe que o olhar alcançasse só se via o preto, como se os olhos estivessem fechados, mesmo arregalados em meio ao desespero, o que naturamente despontava aquela sensação de nada, de vazio na infinitude do espaço naquele fugaz presente. Muitos ficaram apavorados, inquietos, procupados, de tal forma que chegasse ao esxtremo de não conseguir destinguir o perigo real do imaginário.  Afinal, em lugares mal iluminados as coisas costumam parecer o que não são.
Mas, também tinha aqueles que acreditavam que aquele breu tinha uma certa dualidade. Nem tudo era ruim ou sinônimo de pânico. Até que seria uma boa idéia manter o "mundo" no escuro para que as pessoas refletissem sobre a importância da luz. E, por quê não economizar energia por algumas horas?
***
No momento em que o caos invadia a cidade, o eletricista de linhas de transmissão, Eduardo Melo, subia os degraus de uma torre de energia. De cima podia ter a dimensão do blecaute. Ele observou extasiado a escuridão.
- Era como se parte do Brasil tivesse sido engolido por um cometa gigante e o que restou foi apenas um imenso buraco negro. Ver aquilo do alto bateu uma sensação de medo e aflição, como um filme de terror.
Ele e mais centenas de eletricistas se reuniram em centrais de rede elétrica para diagnosticar o problema e buscar uma solução o mais rápido possível. Os “profissionais da luz” sabem que milhares de brasileiros dependem de seu trabalho e da tamanha responsabilidade nas mãos.
-Quando a noite cai é que os lobos saem e sabemos que a escuridão é uma arma poderosa para os bandidos, seqüestradores, estupradores, enfim, fora os prejuízos que muitos trabalhadores irão ter com esse apagão. Por isso a gente faz o nosso melhor para trazer a luz de volta aos nossos lares. Pensamos no bem estar não somente das nossas famílias, mas das outras também!
Após horas em um trabalho árduo e complexo para desvendar o enigma, a tão notícia aguardada explode na mídia. Segundo justificativas do governo a causa desse blecaute foi a mesma do ocorrido em 1999, quando dez estados ficaram sem energia. Raios no interior de São Paulo atingiram linhas de transmissão de energia na usina hidrelétrica de Itaipu, que é responsável pelo fornecimento de 19,3% da energia consumida no Brasil e abastece 87,3% do consumo paraguaio. Por isso, nem o Paraguai escapou da escuridão.
Nesse preíodo, diversas empresas perderam muito de seus produtos. Restaurantes, bares, supermercados e todos os estabelecimentos tiveram de fechar as portas mais cedo, ou seja, um dia de perdas, prejuízo e frustração.
- Pelo que foi divulgado e até mesmo ao meu ver, esse apagão foi um daqueles acontecimentos que é complicadíssimo de se prever pois foram conjuntos de chuvas, descargas atmosféricas muito grande de volume. O que aconteceu foi devido a problemas meteorológicos. Cargas atmosféricas e raios provocaram um curto circuito nas linhas de trasmissão de Itaipu e Itaberá, afirma Eduardo.
O restabelecimento da rede elétrica começou no Paraguai às 22h30 de terça (10) e de maneira parcial no Brasil a começar pela região Sudeste à 0h30 da quarta (11), até religar toda a carga no país.
Esse foi apenas mais um episódio em que Eduardo teve que entrar em ação com seus companheiros. Um marco para quem presenciou o caos e para ele que não sabia como sua família estava.
- Não tinha idéia de como minha mulher e meus filhos estavam. Pensava neles à todo o momento, mas não podia me desconcentrar pois qualquer falha, por menor que seja pode prejudicar todo um trabalho. A tensão é muito grande. É uma gritaria, um ajuda o outro, passam equipamentos de mão em mão, desligam a chave de controle. Um corre –corre...
- Por isso somos todos como irmãos, pois trabalhamos em equipe, um ao lado do outro. A minha vida depende dos meus amigos e vise-versa.

Profissão da Luz

Apesar de todo o Brasil depender dos serviços desses profissionais, a maioria das pessoas não compreende o grau de relevância e dificuldade que envolvem o trabalho.
Os eletricistas de linhas de transmissão fazem os reajustes necessários para que a energia retorne às casas. No entanto, antes de ‘arregaçar’ as mangas e executar o serviço, é preciso fazer uma avaliação das manutenções que serão feitas ainda em solo. Com relação ao meu lider, acho melhor não citar nomes por questões éticas, mas digo que não é somente um, cada equipe de trabalho tem um lider, emm geral as equipes são de 4 a 5 profissionais e geralmente coloca-se um mais experiente para liderar a equipe.
 - Minha carga de trabalho é horario comercial de segunda a sexta, 8 horas por dia. Mas podem ocorrer emergências como o blecaute e temos que ir trabalhar. Para trabalhos em cima de uma torre, acho que fica-se mais ou menos de 4 a 5 horas nas "alturas".
As horas extras que geralmente são aos finais de semana acontecem mediante necessidade e são programadas previamente pela supervisão que seleciona os escalados de acordo com a quantidade necessária de técnicos para o trabalho a ser realizado. 
Os eletricistas trabalham em grupos que variam de 5 à 15 homens. O líder deve explanar minuciosamente o que será reparado, tanto nas torres quanto nos centros de estação de energia, que devem ser avisados com antecedência, para desativar o fornecimento de energia desses cabos. Assim, o eletricista é autorizado a fazer o trabalho. Em algumas manutenções, os fios não são desligados – as chamadas linhas vivas. Nesses casos eles devem usar uma roupa especial de proteção contra queimaduras por arcos elétricos feita do material Nomex Aramida composto por fibras descontínuas de meta-aramida, o que proporciona muita resistência a altas temperaturas, óleos, solventes e produtos químicos industriais. Depois de vesti-lás estão prontos para começar.
 - O nosso trabalho é basicamente executado através das torres. A gente faz reparos nos fios danificados, na reconstrução de torres destruídas, geralmente devido à catástrofes naturais. Trocamos os espaçadores, que são discos de porcelana ou vidro que servem como um suporte para que os fios de alta tensão não se toquem em eventuais ventanias, pois ocasionaria em curtos-circuitos. Mas, antes de tudo é obrigatório desligar o sistema para que possamos trabalhar com segurança.
Os operadores das usinas e substações são os que detectam o desligamento do sistema (linha de transmissão ou equipamentos) e acionam os gerentes responsáveis aos quais acionam seus técnicos subalternos para inspecionar a linha que está desligada e detectar o defeito, quando detectado põe-se em prática as ações necessárias para a correção do problema. 
-Vamu, vamu, vamu, vamu! - grita o eletricista Paulo Sales para o restante do grupo. Coloca as luvas protetoras, pega uma prancheta e começa a fazer anotações. 
- Moçada, hoje vamos fazer um reajuste na torre. De acordo? 
-Bora!, - responde um dos eletricistas.
Rapidamente todos colocam-se aos seus postos e começam a fazer tudo aquilo que foi devidamente planejado. Esse é o ponto de partida para a concretização do serviço que exige não só habilidades motoras como muita desenvoltura no manuseamento dos equipamentos de auxílio, como as bastões de aço, que são devidamente testados com aparelhos específicos que indicam se a isolação está adequada.
Todos os equipamentos são enviados à um laboratório que os testam para se certificar de que estejam apitos para o trabalho. No Brasil, a NR-6 - Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego exige que os trabalhadores sejam protegidos contra agentes térmicos com Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Essa vestimenta obrigatória para trabalhar com o SEP (Sistema Elétrico de Potência), é confeccionada com material anti-chamas.
Quanto a nossas roupas, são totalmente fornecidas pela empresa e consistem em 2 tipos, as de uso para trabalhos gerais e as de uso pra trabalho com linha energizada. As de serviços gerais consiste em calça jeans ecura, camisa manga longa tecido tipo BRIM cor marrom clara com logotipo da empresa nas costas e em um dos dois bolsos frontais, capacete branco com logotipo pequeno da empresa na região frontal, bota cano longo (quase no joelho) de couro isolante preta.
Para trabalhos com linha energizada exitem roupas especiais de um material chamado NOMEX ARAMIDA a qual nos permite tocar na rede energizada de alta voltagem sem corrermos risco de morte, essa roupa é composta de calça, camisa manga longa com capuz, luva, botas condutivas (diferente das outras que são isolantes) e meias, todos em cor tom claro (gelo).
Os trabalhadores também possuem um seguro de vida paga pela empresa, no qual garante indenização em caso de morte ou invalidez, além de assistência jurídica e psicológica.
Depois de todo o serviço realizado é nítida a sensação de alívio e de dever cumprido. Quando tudo sai como previsto anteriormente, e o problema é solucionado como deveria, Eduardo retorna à sua casa. Sem pensar que aquele poderia ter sido o último dia de sua vida, sem nem mesmo imaginar o que teria acontecido se algo tivesse dado errado. Se isso acontecesse, alguém poderia sair muito ferido, ou pior, perdido a vida, pois esse é um trabalho que não tolera nenhum tipo de falhas. Um erro, por menor que seja é fatal. 
Mesmo ciente de todos esses perigos no qual é exposto diariamente, ele, que já está acostumado com a adrenalina a mil, apenas pensa em relaxar com os familiares e dormir. Assim, como qualquer outro trabalhador que chega em casa cansado da rotina diária. 

Para descontrair

Nem tudo é agitação para esses profissionais, volta e meia eles conversam sobre assuntos da atualidade, jogos de futebol – para os que gostam de ver a bola rolar - programas de tv e notícias do dia anterior. Assuntos normais de se comentar, mas no caso dele, um tanto quanto inoportunos para o momento de tensão.
-E ai Edu, você viu o jogo ontem? – Grita um dos eletricistas.
- Quando cheguei em casa tava no final já!
Mas quando chega a hora de executar  algum trabalho acontece as conversas oficiais denominadas DDS (Diálogo diário de segurança) nas quais se  diz a tarefa a ser executada, a forma com será executada, lembretes de procedimentos de seguranças e opiniões pessoais sobre  como melhorar. 
Em cima da torre às vezes também saem umas piadinhas, geralmente com alguém que se "enrola" para executar alguma tarefa.
- Aê cabeção, não jantou ontem?
- Acho que ele dormiu no sofá essa noite!
E entre risos e piadinhas enfrentam o perigo.

O começo 

Ele começou a se interessar pela eletricidade aos 14 anos de idade e até hoje aos 32, está ligado à essa ocupação. Influenciado por amigos, fez um curso de eletricista na SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), onde teve uma série de treinamentos de primeiros socorros, técnicas de resgate nas alturas e de especialização na área. 
- A empolgação e a ansiedade tomaram conta de mim. Não via a hora colocar todos os aprendizados em prática. Eu nem imaginava que seria um eletricista e trabalharia à campo. Pra mim o trabalho seria interno, na realização de pequenos reparos dentro das estações. Mas, quando fui contratado pela empresa em que trabalho ato hoje, tive a surpresa de como seria difícil essa função. Não imaginava que seria em torres, andar nos fios... Não tinha nem noção. - ressalta.
Como tudo ainda era novo, e ele estava começando a ‘engatinhar’ na profissão, o pensamento de que poderia perder sua vida e do quão perigoso é se expor à fios de alta tensão estavam sempre presentes, martelando dia e noite em sua mente. Mas, com o passar do tempo, a gratificação e o bom desempenho de seus serviços o fizeram esquecer que o perigo eminente o rondava todos os dias. 

Momentos para se recordar

-Existem coisas que são gratificantes nessa profissão, como ganhar um bom salário. Mas, também têm aquelas que nos fazem para e pensar: ‘Será que tudo isso vale mesmo a pena?’, afirma Eduardo ao observar as fotos de seus dois filhos, Gabriel de 8 anos e Sophia de 1 ano. 
A família é o seu alicerce e para ele cada minuto ao lado de quem ama é desfrutado como se fosse o último.
-Eu perdi um dos momentos mais especiais de minha vida que foi o nascimento da Sophia. Eu viajei para Campinas a trabalho. Fui para uma reparação em uma torre de transmissão.
Era dia 25 de Maio de 2009 quando Eduardo viajava a trabalho. Sua esposa Joana estava grávida de 7 meses e ficou em casa com seu filho e a mãe dela, dona Louders, que ficou ao lado da filha por sentir que ela estava muito perto de dar à luz. O eletricista arrumou as malas e mesmo desejando ficar ali para qualquer eventualidade se despediu da mulher com um beijo na testa e disse para ela esperar por ele. 
-Aquele dia eu estava muito angustiada, queria que ele ficasse por perto, pois sentia que minha filha ia nascer. Assim como ele viu o Gabriel vir ao mundo, ele queria curtir esse momento especial de novo. Diz Joana ao recordar daquele dia.
Eduardo estava no alto de uma torre quando recebeu a notícia que o deixou estarrecido. 
-Tem um novo paizão na área! Eduardo, sua filha nasceu! Grita do solo um de seus amigos eletricista.
Os demais companheiros de trabalho gritam:
-Aê! Vai ter que começar a trocar fraudas! [risos].
E foi direto para o hospital.
Quando peguei minha filha nos braços e vi a carinha dela tão inocente e frágil, não tive outra reação a não ser chorar de felicidade. Não estava lá quando ela nasceu, mas foi uma das maiores surpresas da minha vida. Uma luz que se ascendeu dentro de mim.

‘O choque’

Em meio a sorrisos de alegria, logo Eduardo teria uma outra surpresa. Dessa vez, nada agradável. Era aproximadamente 15h30 do dia 03 de Junho de 2009. Eduardo ainda comemorava o nascimento da pequena Sophia. O sol adentrava entre as nuvens. E mediante a vermelhidão do Céu, o eletricista concentrava-se no seu trabalho. Ele nem imaginava que naquele exato momento, enquanto restaurava e limpava os discos isolantes dos cabos de energia, seu pai era levado ao hospital com fortes dores no peito. Mas, Eduardo sentiu uma pontada no coração, como se pudesse sentir as dores de seu pai. Era um pressentimento que o avisara de que algo estava muito errado. Suspirou de angustia e por alguns instantes parou o que fazia. Olhou para baixo e pode ver o chão mover-se sob seus pais. Ficou tonto e teve a nítida sensação de que cairia lá do alto, mesmo com todos os equipamentos de proteção, seu sentimento era de insegurança, como se estivesse à ponto de ser engolido pelo vácuo. Então, decidiu descer.
Assim que seus pés tocaram o solo, um de suas colegas, Jhonny, aproximou-se. Ele havia acabado de receber um telefonema da mãe de Eduardo. Ela estava aflita e a beira de um colápso. Jhonny, ao ficar cara a cara com Eduardo não disse absolutamente nada, com cara de quem tinha uma tarefa laboriosa pela frente.
Eduardo estava mais cansado aquele dia, tentava recuperar seu fôlego. Tirou seu capacete, as luvas e enxugou o suor do meu rosto. 
-Ufffaaa, aaarrr! Passei mal lá em cima. Sei lá, me bateu uma sensação ruim, disse com a respiração ofegante.
Enquanto isso Jhonny o olhava fundo nos olhos e continuava sem dizer uma só palavra. Eduardo percebeu que algo grave  havia acontecido.
Nenhuma palavra foi dita. Mas, certamente aquele silêncio melancólico vinha dizer algo terrível. 
Como em todos grupos há sempre aqueles com quem se tem mais afinidade e acaba-se tornando um amigo fora da empresa também. Com eles não foi diferente. Há uns 5 anos a amizade estendeu-se para fora do ambiente de trabalho. Jhonny não era do tipo que sabia lidar com situações tensas. Não em assuntos pessoais. Era duro e firme no trabalho, um garoto ligeiro e de atitude. Mas quando o assunto envolvia sentimentos, ele se derretia como uma manteiga no sol.
-Eu conheço Jhonny há anos, e sabia que ele me escondia alguma coisa. Por mais que ele quisesse me dizer, as palavras não saiam. 
Então, Edu começou a se desesperar. Em um movimento brusco o segurou pelos braços e perguntou pausadamente, quase sem paciência:
- Fala-pra-mim... O que-aconte-ceu?
E nesse vão de silêncio e melancolia, Edu começou a desenhar em sua mente e considerar infinitas possibilidades mais horrendas do que poderia ter acontecido. Suas pernas estavam trêmulas e seu coração disparou.
Então, Jhonny pairou o olhar sobre o chão como se pudesse encontrar ali uma maneira de falar da melhor forma possível. Mas, não foi bem assim que ele fez.
- Seupaimorreu! -Disse rapidamente com a voz desconcertada.
Eduardo ficou paralisado. Balançou a cabeça em sinal negativo, como se não acreditasse. Agachou-se e levou as mãos sobre o rosto. Dessa vez era ele quem não conseguia dizer nada. Os amigos eletricistas logo o rodearam e uniram-se à sua dor. Dois o pegaram pelos braços e o carregaram até um carro. Os demais os seguiram. Todos em silêncio, só era possível ouvir os gritos assustadores do colega e o uivo da ventania. 
Naquele final de tarde a escuridão tomou conta de Eduardo que amava o pai e o tinha como um ‘super herói’ desde que era pequeno.
***
João era pedreiro, nascido em uma humilde família de Minas Gerais. Veio para São Paulo tentar uma vida melhor, onde conheceu dona Neuza e tiveram um único filho, Eduardo.
Eles passaram dificuldades, mas nunca fome. E, sempre que chegava em casa do trabalho, o pai lia histórias para o filho.
-Meu pai era um homem batalhador que lutou a vida inteira para dar a mim e a minha mãe uma vida mais digna. Muito distante da fome e miséria que viveu na sua infância. Queria que eu tivesse um futuro melhor e sempre dizia que eu nçao deveria temer nada, nem mesmo a morte. A única coisa que eu deveria me preocupar era não saber se alguém choraria em cima do meu caixão. 
***
Aquela tarde esfriou e o vento passou a sobiar mais vagorosamente. Eduardo foi ao velório ainda com a roupa do trabalho. Não quis passar em casa para se trocar, ele não tinha condições para isso. Agora, ele sentia como se estivesse preso às correntes da tristeza e por mais que teimasse em se acalmar e prender suas lágrimas, a sua dor o tomava por inteiro. Sempre foi um homem forte, difícilmente chorava e tinha medo. Mas, nessa situação ele se viu como um garoto frágil e desamparado. Edu nunca havia perdido um ente querido antes, e não sabia como seria passar por essa experiência.
Ao chegar no velório, logo na entrada se deparou com alguns parentes que ele não via há anos, como seus dois "meio" irmãos que nunca haviam se importado com o pai. Não o procurava e nunca ligavam para saber como ele estava. Eram como desconhecidos. Mas estavam ali, como se fosse por obrigação, apenas para "fazer bonito". Eduardo despontou em seu olhar um perigoso brilho de raiva. Mas, passou reto e desprezou seus velhos sentimentos de mágoa pelos parentes que jamais fizeram nada pelo pai, a não ser pedir dinheiro. 
Na capela branca de alvenaria, se encontravam outros parentes entre amigos e vizinhos. Todos de preto e com aparência abatida. Logo, ele pôde ouvir furtivos comentários, o que o irritava profundamente, a conferência dos fofoqueiros. Fora aqueles que iam apenas para mirar a luneta para a vida alheia e análisar e criticar o modo de vestir e se portar dos outros, haviam também aqueles que estavam ali por admirar seu João. Lembravam de como ele foi um bom pai de família, um homem trabalhador, honesto. O que aumentava ainda mais o padecimento da perda.
 Sua mãe ao lado do caixão chorava e seguia sua reza com um terço azul celeste na mão. Estava com um singelo vestido preto. Não tirava os olhos do marido.
- Lembro-me como se fosse ontem. Minha mãe com um terço na mão. Parentes me olhando de cima abaixo e eu ali, sujo, cansado e triste.
Eduardo fixou seus olhos ali, e não os desviava para o caixão. Ele não queria ver aquela cena. Só desejava sair dali e ir para bem longe, só não sabia para onde. 
Naquela mistura de raiva e tristeza, ele resolveu encarar a dor. Sua mulher ao seu lado lhe dava forças a todo o momento. Pessoas próximas também vieram dar seus pesames. O abraçavam e tentavam transmitir consolo e paz. Mas, Eduardo se mantinha gélido, paralizado. Não ouvia o que ninguém dizia, nem ao menos se movia. Era como se a sua tristeza tivesse se personificado. E era ele mesmo. 
Seguiu em direção ao caixão. Na frente havia um grande crucifixo dourado erguido por uma base. Cristo parecia olhar para o falecido, com piedade e compaixão. Eduardo desceu seu olhar e lá estava seu pai, de terno preto, com uma aparência serena no rosto e rodeado de flores brancas que exalavam um suave aroma. Era terrívelmente triste vê-lo naquele estado. Ao observar a cena ele se lembrou dos momentos que passou com ele. Das coisas mais singelas que estavam guardadas no velho baú das recordações. Um filme passava em sua cabeça, de quando o pai o ensinou a andar de bicicleta. Das vezes que jogaram futebol juntos. Quando Edu levou sua primeira namorada em casa, todo envergonhado e o pai só ria. Das conversas, das brigas que terminavam em abraços, do jeito alegre e brincalhão do pai que adorava contar piadas e fazer os outros rirem. Mas, o que Eduardo fazia naquele momento era só chorar. Esse era um dia em que o pai não podia o fazer sorrir. Refugiava-se em seus cinzentos devaneios e teimava em descortinar a penosa realidade que estava diante de seus olhos. 
Alguns instantes se passaram e Edu encontrou-se na dura contingência de se despedir. Deitou sua cabeça sobre o ombro de seu pai e o abraçou. Depois levantou-se delicadamente e susurrou:
-Obrigado por tudo pai! Por tudo, tudo, tudo, tudo, tudo...
Todos ao seu redor observavam extasiados e vagorosamente uma voz cantante emergiu no ambiente. Aos poucos as vozes se uniram e em um só coro celebravam a melodia religiosa. Depois, o padre abriu sua Biblía, fez a oração de despedida e benzeu o falecido João. Era hora de fechar o caixão. O pior momento da vida de Eduardo. Ver aquela pessoa que sempre contagiou a todos com sua alegria, agora estava ali, deitado, naquele estado funebre. 
Dois amigos do pai de Edu pegaram a tampa do caixão. Nesse instante, o eletricista segurou austero a mão de um dos senhores e disse:
- Espera!
As pessoas estavam apreensivas e a mãe de Eduardo suplicou ao filho:
- O povo precisa ir embora. Vamos deixar seu pai descançar em paz!
-Eduardo, fica calmo. Ele está em um bom lugar. Vamos..., disse Luis, um de seus amigos eletricistas.
-ESPERA! Eu quero ficar com meu pai mais um pouco, pleiteou Eduardo.
Ele chorava muito. Sabia que as pessoas queriam que aquele sofrimento acabasse logo. Mas, ele não conseguia deixar que fechassem o caixão. Então, colocou sua mão sobre as mãos cruzadas e gélidas do pai e apenas chorava, como se um pedaço do seu corpo tivesse sido multilado.
Após o sobressaltado silêncio dos que esperavam Eduardo desperdir-se seu pai. Ele, deu-lhe um beijo na teste e foi ao encontro de sua mãe. E, enquanto a abraçava o caixão era lacrado. Alguns já aguardavam do lado de fora da capela e assim que o caixão é levado todos o seguem para o local do seputamento. Parecia uma multidão e Eduardo nem sabia mais quem era quem.
No vai e vem das pessoas, o barulho de choro, as conversas paralelas... Aquilo o levara para uma éspecie de vácuo, como se estivesse sendo sugado para uma outra dimenção. Talvez para os seus mais sombrios sonhos. De repente Edu sente uma tontura, como se seus pés não tocassem mais o chão. Tudo se distanciava de suas mãos, as vozes se misturavam e o mundo parecia rodar na sua frente. Parou por alguns instantes e respiritou fundo. Ele queria continuar e ir até o fim por seu pai. Assim que acabou o sepultamento, Edu recolheu-se silencioso.
Foi um dia terrível para o eletricista, o maior "choque" de sua vida e daquele dia em diante suas noites foram regadas à choro e muitos pesadelos. 
- Não conseguia dormir direito, e quando finalmente caia no sono tinha pesadelos. Uma vez sonhei que meu pai estava comigo em uma torre. Estávamos juntos, lado a lado, até que meu pai se desequilibrou e caiu em um abismo. O via se adentrar no buraco negro e depois ele desaparecia.
Mesmo depois dos momentos tristes, ele não podia deixar de trabalhar, pois tinha em mente que sua mulher e filhos precisavam dele. Isso o dava forças para continuar a vida e as lembranças de seu pai, aquelas dos mais sinceros sorrisos.

***
Diversidade

Ser um eletricista de linhas de transmissão é como ter várias profissões em uma só. Ser como um escalador de montanhas em busca do ponto máximo, com todo o cuidado na delimitação do local onde pisa, sentindo toda a adrenalina a cada passo e concentrando-se apenas no topo. Desempenhar bom equilíbrio como os equilibristas de circo, sem bambear nos fios, em cima de um abismo e desafiando o vento forte que sopra incansavelmente. Nesse caso, a platéia são todos os brasileiros que aguardam na expectativa o ‘show’ da iluminação. 
Eduardo desce da torre, suspira aliviado e se despede dos amigos com piadinhas e toques de mão.
- Cada trabalho tem seu lado bom e ruim. O negócio é saber equilibrar isso. Amanhã é mais um dia lá no alto, e assim, quando termina a noite e eu tiro meu uniforme agradeço à Deus por estar vivo e peço que me dê forças para a próxima.
E com um sinal da cruz vai embora. A cada passo distancia-se da torre que de perto são gigantescas criaturas que nos estonteiam quando olhamos para o alto. Parecem até tocar o Céu. Mas de longe são tão pequenas e frágeis, como se fossem lápis com pontas para cima, entrelaçadas à vários fios e em um desses ele voltará a ter de se equilíbrar.